Tuesday, May 31, 2005

E lá fora...

(Reunião, num passado remoto e em algum lugar igualmente remoto, para discutir como seriam chamadas as coisas).

Um monte de gente reunida em volta de uma mesa pra discutir sobre palavras. Um senhor calvo, enrugado, que havia ficado quieto a maior parte do tempo, pediu a palavra quando foi mostrado aos presentes uma pedra preta:

- Acho que o melhor pra isso é chamarmos de Xisto Betumino!

Leve burburinho no recinto. Um jovem comunista sorri num canto. Uma senhora, que até alguns dias atrás estava na comissão de nomes de bichos e foi co-responsável pelo batismo da Capivara, mexe levemente a cabeça em sinal de aprovação. O sisudo presidente da comissão percebe a aprovação dos presentes e a proposta é colocada em votação. Por 74,6% dos votos, a pedra preta passa a se chamar Xisto Betuminoso.

Os anos passam. E passam. E continuam chamando a pedra preta de xisto betuminoso.

A favor do transporte público

Minha carteira de motorista venceu há mais de 2 anos, precisamente em abril de 2003. Não renovei, não preciso, não quero. Carro é superestimado, estressante, perigoso. Há alguns mitos clássicos sobre andar de carro. Um deles diz respeito exatamente ao perigo. Sim, tem assalto em ônibus - no metrô não tem! - mas também há assaltos nos sinais de trânsito. Principalemente se você estiver num carrão. Não sei as estatísticas, mas um deve regular com o outro. Andar de carro é chato porque você está ocupado preocupado em dirigir e perde preciosos minutos que poderiam ser gastos em algo muito mais produtivo - por 2 reais alguém dirige por mim enquanto posso desfrutar de uma leitura agradável. Sim, e aí entra também a questão do tempo - pra que chegar logo em casa? No meu caso, seria a pressa de ganhar alguns minutos com o carro pra chegar em casa e ler - faço isso logo no ônibus, no metrô, é divertido. A questão monetária também deve ser levada em conta: um carro, além do gasto de gasolina e estacionamento, também envolve seguro, IPVA, revisão, pneu gasto e por aí vai. E tem mais. A pessoa se estressa no carro com a fechada dos ônibus, mas você no ônibus não se estressa quando o mesmo fecha algum carro de passeio - há, argumento infalível, não? Mais, mais. Andar a pé é genial, faz bem, você vê as pessoas, as coisas, descobre coisas novas. No metrô tem gente interessante, pode surgir até casamentos. Malditos todos que se fecham em seus fumês com ar ligado ouvindo uma rádio boboca qualquer. Até quem vai ouvir música ouve melhor quando não tem que se preocupar com mais nada que não seja a seleção de seu ipod. Economistas aprendem: recusos são finitos, escassos, é preciso saber como usá-los. No caso do carro é assim - não perca tempo apertando botões e virando uma rodela se você pode ler, sem pressa. E ainda agrado a todos os ambientalistas, mas isso não sei bem se é tão positivo assim.

E o post foi motivado pela defesa do transporte público vinda do meu primo paulista - sim, aquele povo na outra ponta da Dutra, esquisito, que só anda de carro, até pra comprar pão na esquina, se apronta e vai de carro, devem adorar um trânsito. Menos ele.

A Armada de Tony

Certa feita estava numa sala cercado de psicologas e outros tipos esquisitos que queriam emprego numa super-corporação mundial. Era uma daquelas fases, que a velhinha olha pra todo mundo do alto de seus trapos exalando seus sessenta-e-tantos anos mal vividos e mal amados - não seja tão mal, é o que ela me diria, a maldita. Mas era só pra ser um exame, a Fase 3 de um total de 5, pra chegar a estagiário, aquela coisa toda. A prova das velhinhas dessa vez era escrever um jornal da sua vida, com as manchetes e tal, e explicar as notícias pra todo mundo. Achei divertido, não tinha como ser ruim - ou tinha? Lá foi uma menina, arrumadinha, penteadinha, bem-vestida, e mostrou seu jornal "Profissional Respeitada e Dedicada à Família", algo do gênero. Fraco. E por aí foi.

Minha vez. Meu jornal. Minha vida. Pensei num monte de coisa.

Mega Investidor Tony ao Quebrar Mais um País: "já tá perdendo a graça!"

A Incrível história do Brasileiro que Namorava 68 Suecas

Tony Recusa o Nobel de Literatura

Thomas Pynchon Diz que Tony é seu Sucessor

Cannes se Rende ao Talento de Tony Pela quinta Vez

Bem, nada disso ia funcionar muito por lá e acabei fazendo uma coisa boboca do qual me arrependo. Não queria o emprego mesmo (passei, mas recusei). Deveria era ter roubado alguma das idéias de um amigo. Duas manchetes apenas. Era o que eu precisava. Uma completa a outra. O melhor que as psicólogas poderiam receber.

Papa Tony Pede Paz ao Mundo

Tony Desfila com Seu Exército de Homens-Peixe em NY

Monday, May 30, 2005

Papai...bem...papai...

Imagine a chamada numa sala de aula alemã nos anos 50, primeiro dia de aula:

- Hans Freden?
- Presente!
- Jutta Slotsmeyer?
- Presente!
- Werner Redenberg?
- Presente
- Edda Göring?

Todos se voltam pra ela, com cara de espanto - Göring?????????

Pois é. Papai matou um monte de gente, fez muita coisa feia. A vida dos filhos de grandes nazistas é o tema do livro Tu Carregas Meu Nome. Tem desde um filho de Martin Bormann que virou padre e foi ser missionário na África até a filha do Himmler que tem orgulho do pai, acha que ele não foi um criminoso como dizem e participa de reuniões neonazistas como estrela. Mas o caso mais impressionante é o de um filho de Hans Frank, o governador da Polônia, que mandou matar pelo menos 6 milhões de pessoas. Possivelmente atormentado por toda a vida pela herança macabra, escreveu um livro nos anos 80 condenando veementemente o pai, dizendo que se masturbava sobre a foto dele todos os "aniversários de morte" de Hans Frank (foi enforcado em Nürnberg) e terminou o livro com uma mega orgia onde o pai era torturado e maltratado lentamente. O caso criou comoção nacional pela violência do filho contra o pai, mesmo sendo ele quem era. Mas falar de fora é fácil. Imagine como não foi (e é) a vida de uma pessoa dessas.

- Prazer, Sra. Himmler
- Você não tem nada a ver com aquele monstro né...
- Meu pai
- ...

Uma compulsão ou Um sebo maldito

A partir de agora quando for ao Espaço Unibanco levarei apenas o dinheiro certo do ingresso e um troco pra, quem sabe, uma coca ou um café. Porque toda vez que vou lá estou comprando pelo menos dois livros naquele maldito sebo. Foram 6 livros em 8 dias corridos e quatro filmes em três sessões. Um problema, acho que um bom problema, mas um problema, pois o dinheiro é um recursos finito e essas coisas que todo mundo sabe.

Mas também não adianta muito lutar contra - todas as aquisições eram absolutamente essenciais pra minha vida. Um Ian McEwan dando sopa por 8 reais? Uma edição de Dubliners em inglês por 6 reais? Um livrinho sobre as bombas V-1 e V-2? Não, não dá pra ficar de fora. Melhor mesmo não ter dinheiro. Maldito sebo.

Monday, May 23, 2005

Mais sobre Terra em Transe

Eu não vi Terra em Transe, mas concordo inteiramente com a análise do Lucas sobre ele - um zero. Sei que ontem vi o trailer do filme e foi um dos piores que já vi na vida. Se o trailer é ruim imagine o filme...medo, medo...

E o Festival implícito foi explícito

Era pra ser um Festival Implícito, um fingimento, algo na linha da véspera falsa que costumava fazer na época da faculdade e nunca dava certo (eu só estudava de véspera, e bota véspera nisso, então pra mudar tal situação institui a véspera falsa - fingia que era véspera mesmo e tinha que acordar no dia seguinte como que pronto pra prova, que na verdade só seria uma semana depois ou algo assim) porque uma hora eu enchia o saco e pensava "ah, tem mais uma semana ainda, que se dane!". Bem, um festival implícito era o reconhecimento da derrota de véspera (verdadeira), de que não conseguiria mesmo um festival explícito.

Diabos, tá confuso pacas isso. Coragem, jovem, coragem!

Acabou que dessa vez deu certo, e o festival implícito foi explícito, bem explícito. Começou bem com a chuva toda de domingo. Porgramei o primeiro filme pras 15:30hs mas fui pro Arteplex antes, bem antes, munido de livros. Cheguei, pedi um cappuccino e fiquei a ler o livro. "hmm, isso tem cara de festival". O local estava cheio, as pessoas circulando, sei lá. Mas o primeiro sinal mais forte de que algo especial se passava foi na fila de ingresos - o velhinho, personagem clássico do Festival, estava na minha frente. Quase chorei de emoção. Fui falar com ele "oi, lembra de mim, do Festival? Já nos falamos..." ele deve ter achado estranho a princípio mas respondeu que se lembrava quando citei nossa longa discussão do cinema japonês antes da sessão de Ninguém Pode Saber no Festival de 2004. Esse cara é uma lenda viva do Festival, um aposentado que já viu tudo, absolutamente tudo de cinema, e continua a frequentar os cinemas frenéticamente (será q chegarei assim aos 80? figas, figas....). Um cara divertido, bem crítico. E com ele conversei na longa fila, momentos antes de comprar o ingresso. Ele ia ver Star Wars meio a contragosto, mas era pq já tinha visto tudo q estava em cartaz e não queria bundar em casa - palmas pro velhinho.

Depois do velhinho, um filme portugues, bem interessante, Filme Falado, que foi visto nas escadas do cinema. Sim, nas escadas, e era o terceiro ponto positivo pró-festival - a falta de lugar, chegar atrasado nas sessões por estar saindo de outra. saí deste filme correndo pra comrpar ingressos, tinha apenas 5 minutos entre um e outro. Correria, ingresso, correria, e consegui chegar momentos antes de começar o segundo filme - o apenas regular A Janela da Frente. E o filme foi visto nas escadas também, no mesmo lugar do anterior. Lindo, lindo. Estava ficando bom. Saí deste segundo, dei uma longa olhada na livraria, e fui pro sebo do Espaço Unibanco, que estava coalhado de boas coisas - sim, bons livros no sebo do Espaço Unibanco também é coisa de festival (foi lá que comprei o V do Pynchon, Estrada para Los Angeles do Fante, entre outros). Acabei levando um Dubliners porque eu só tinha em portugues e um Ian McEwan que estava chegando na hora. E assim terminou o Festival Explícito de Maio - uma prévia do que virá, sim, sim. Ah, faltou o barbudinho, o fato de eu não ter os ingresos comprados também não ajudou, mas bateu um climão de festival. Preciso fazer isso mais vezes.

Friday, May 20, 2005

Pensando na Vida

Andando pela praia, mar batendo no pés e molhando as calças, terno numa mão, amassado, garrafa de vodka na outra, quase vazia. Cabelos desgranhados, olhos vermelhos, cara amassada, tensa. Momento de reflexão, estou repensando a vida. "ah, os anos perdidos, a vida desperdiçada, os amores não correspondidos...".

Pensar a vida deveria ser assim, mas sou mais simples e menos dramático. Meu pensar a vida, enquanto voltava para a casa ontem, consistiu apenas em repassar os filmes, livros e músicas que vi, li e ouvi no ano, fazendo uma prévia de melhores e piores.

Filmes - O melhor filme do ano até agora é Vida Marinha com Steve Zissou, que aliás estreou ontem e quem não for ver é bobão. O melhor filme não-lançamento que vi foi Nós que Nos Amávamos Tanto, do Scola. O pior do ano...bem, não vi Terra em Transe, então Herói leva o título.

Livros - Reparação, do Ian McEwan, é o melhor do ano sem dúvida nenhuma. E um dos melhores que já li. O pior foi O Zahir, do Paulo Coelho. Brincadeira, não li isso não. Não me lembro de ter lido nada muito ruim esse ano. Acho que o pior foi um do Fernando Sabino que tava dando sopa na casa da minha avó.

Música - A coisa mais legal que conheci este ano foi Elliot Smith, que é velho mas só fui escutar agora.

E é isso. Taí dicas pro MurTony de Ouro e tudo.

Festival Implícito

Quando eu digo que o Rio está melhorando ninguém concorda. Esqueça a violência, os milionários, os restaurantes da moda e uma vida noturna agitada. A beleza das cidades não está aí, mas nas fontes de pequenos prazeres contínuos. Uma caminhada no calçadão no final da tarde, por exemplo, mas isso sempre esteve lá e estará pra sempre, espero. As livrarias legais, com os cafés, abertas recentemente. E os cinemas, claro. E é nesse aspecto que a cidade mais está melhorando.

E esta semana melhorou mais um pouco: ontem foi inaugurado o Unibanco Arteplex, 6 salas de cinema com a proposta de exibirem bons filmes, livraria, bistrô. Ele se soma ao circuito Estação-Espaço Unibanco formando um quadrilátero de cinemas - 12 salas, 2 livrarias, um sebo, 3 cafés. Isso em 2 quarteirões. Para domingo estou programando um festival implícito, o que é possível agora com os 12 cinemas. Serão 4 filmes, intercalados com leituras, cafés e aquisições de livros. Pequenos prazeres contínuos. É com isso que se faz uma cidade.

Thursday, May 19, 2005

Copa MurTony de Cinema é surpresa em Cannes

Joana Ávila – Enviada Especial em Cannes

Num festival que este ano parecia ser mais do mesmo – os mesmo diretores, a mesma badalação, alguns filmes bons – causou estranheza e perplexidade o anúncio repentino dos produtores e roteiristas brasileiros Lucas Murtinho e Tony Azevedo, criadores do MurTony, da 1º Copa do Mundo de Cinema. Estranheza pois não se conhecia nada parecido – um torneio de diretores de cinema num formato de copa do mundo, onde um duela com o outro. E perplexidade pelas regras complexas utilizadas no duelo, explicadas em francês por um confuso Lucas para uma platéia de produtores e jornalistas do mundo inteiro. Os dois prometeram divulgar as regras detalhadas e as chaves do “torneio” até o final da semana, ressaltando que o mesmo não tardará a começar. Sabe-se somente que serão 16 diretores divididos em quatro grupos, lutando pelo prêmio MurTony de melhor de todos os tempos. O presidente do júri de Cannes este ano, Emir Kusturica, disse aprovar a idéia e, ao saber que está classificado para o torneio, comentou: “sou favorito, afinal fui ganhador do MurTony, em 2004. Espero ter o Spielberg na minha chave”. O diretor americano preferiu não comentar o prêmio e as declarações, se limitando a dizer que não se interessa por premiações que deixam o final em aberto. Procurados pela reportagem, Lucas e Tony disseram apenas que precisam resolver uma pendência sobre um livro antes de qualquer coisa.

Wednesday, May 18, 2005

Uma História Lamentável ou Hereges!!!

História verídica, ocorrida com o Arthur, um amigo meu do trabalho. Depois de me ouvir falando maravilhas de Arco Íris da Gravidade, do mão-no-peito mor Thomas Pynchon, foi ele procurar o livro na Travessa. Reproduzo suas palavras:

Estava querendo me desvencilhar de Paul Auster, dado que estava lendo o 3 livro seguindo
dele. Resolvi folhear o livro que o Tija me sugeriu: "O Arco íris da gravidade". Falei com um dos, quase sempre, inteligentes vendedores da Travessa.


- Vc tem o livro do Pychon? O arco íris de alguma coisa????
- Sim sei qual é..... (iniciou sua pesquisa no computador) Tenho sim!
- Posso dar uma olhada?
- Pode, mas olha, eu já tentei começar esse livro, mas não consegui acabar. É muito difícil de ler. Além disso, é um tijolo. Eu conheço várias pessoas que tentaram e não conseguiram.
- Ahhh meu amigo tinha me falado disso.


Chegamos a estante. Lá estava o Livro. Ele tinha razão: era um tijolo.
- Você tem Vineland também?
- Deixa-me ver. (procurou no computador) Não tenho, e esse está esgotado, espere aí... O arco íris da gravidade também está esgotado. Mas nós temos essa cópia aí a um tempão que ninguém quer comprar. É muito difícil!


Lamentável, malditos, malditos, muitas vezes malditos! Todos hereges, é o que digo. Um cara desses deve estar adorando o último romance do Sydney Sheldon - "Profundo, pertubador, um belo retrato da natureza humana. E bem escrito, sim, muito bem escrito..." deve ser o comentário dele pros amigos.

hmpf

E hoje fui a um sebo e topei com uma edição novinha do bichinho. Não hesitei e comprei. Não se pode dar um mole desses com um Pynchon dando sopa num sebo. E o que importa se eu já tenho o livro?

Tuesday, May 17, 2005

Uma Heresia no Final da Tarde

Vou cometer uma heresia, aliás, já a cometi ontem, quando pensei nisso. Vi A Marca da Maldade, do Orson Welles, e é muito, muito bom. Mas vamos à heresia: Marca da Maldade é o melhor filme do Orson Welles. Sim, melhor que Cidadão Kane! Todo aquele clima noir, fornteira, mistura de mexicanos e americanos, as tomadas, o Orson como um policial gordão sinistro, tudo é muito bom. O começo é sensacional, o final também. Um 4, creio, um 4 sólido, acima de Cidadão Kane que é um 3,5 e melhor também, porque pode acontecer de um filme 4 ser melhor que um filme 3,5. Mas não neste caso.

TBNP Expandida

O Pedro Cezar fez algumas observações muito boas sobre a TBNP. Concordo com a maioria.


As bandas menos perecíveis, na minha opinião, são aquelas que você demora mais para aceitar e gostar. Às vezes são 3 ou 4 ouvidas até começar a soar agradável. Mas, depois desse esforço, acho que abrimos um caminho de prazer no nosso cérebro que diz respeito apenas
àquela banda.
Por ser um caminho novo, exclusivo, que só a banda pode alcançar, ele demora muito mais tempo para "gastar". Enquanto toda a música farofa já saturou os mesmos canais, aquela banda consegue entrar por uma passagem secreta só dela, e assim nos dar prazer por muito mais tempo.
Uma outra teoria diz respeito às músicas em camadas. Radiohead tem isso, Pink Floyd também. Múm tem pra caralho. São músicas que cada vez que vc ouve, percebe algo de novo. Seja uma viradinha na bateria, um riff de baixo, ou uma babada no microfone pelo vocalista. O
processo geralmente é inconsciente, você não sabe que está descobrindo algo novo, mas sentiu alguma coisa diferente. Assim, quanto mais camadas, mais tempo você suporta ouvir aquilo. Talvez cada camada abra seu próprio canal de prazer. Pode ser.

Luto Nacional

Bill "mão-no-peito" Murray, melhor ator do mundo, anunciou em Cannes que está cansado e vai se aposentar. Vai se dedicar às "coisas simples da vida" - cortar grama, tocar piano, ler livros. Certo, o rapaz. Mas recebo a notícia com pesar. Na próxima rodada do Campeonato Brasileiro deveria ser observado um minuto de silêncio antes de todos os jogos.

Monday, May 16, 2005

Antes de Londres, vire à esquerda

É normal que se ouça muito uma banda, continue gostando mas não se ouça mais tanto depois de um tempo, daquelas que se olha na estante de cds um tempo depois e "faz tempo que não ouço isso, vou colocar", aí você ouve e depois fica mais um tempo sem ouvir novamente. Mas algumas bandas não enjoam, estão sempre no tocador de cds - e elas entram na Teoria das Bandas Não-Perecíveis (TBNP), desenvolvida nos anos 20 por pesquisadores pavlovianos britânicos. A TBNP abrange todas aquelas bandas que você passa anos ouvindo sem parar, e ainda assim se sente bem chegando em casa e ouvindo novamente. Os pesquisadores indicavam pontos no cérebro responsáveis pelo estranho fenômeno que, segundo eles, funcionava como um "apagador" de memória, levando pessoas a, ao ouvir uma banda que já ouviu antes, ter a mesma sensação de uma primeira vez.

Algumas regras devem ser seguidas para que uma banda se torne não-perecível. Em primeiro lugar, é preciso que se ouça a banda há mais de 3 anos. Em segundo, é preciso ter mais de 10.000 horas de audição da mesma. E para decidir se a banda é não-perecível, é preciso que a média de horas mensais ouvida seja superior a 50% da média do primeiro ano e 75% dos últimos 12 meses. Isso tudo respeitado, resta o fator subjetivo - aquele "sim, ainda tenho prazer pra caramba ouvindo essa banda" e, voila, ela não é perecível.

Um Top 5 Bandas Não-Perecíveis seria

1. Radiohead
2. Gorky´s Zygotic Mynci
3. Smiths
4. Belle & Sebastian
5. Velvet Underground

Radiohead dispensa maiores cometários. Kid A e Ok Computer estã sempre no topo da minha parada. O Hail também mas esse é mais novo e ainda está sendo incorporado na teoria. Smiths é outro caso típico - aquela guitarrinha do Johnny Marr não enjoa nunca. Mas o caso mais interessante é do Gorky´s - aliás, uma banda que está cada vez mais. Não enjoô por nada de alguns álbum como o Spanish Dance Troupe e Barafundle, que além disso sofrem o bônus de me transportarem para o País de Gales. Uma banda que não entra no meu Top 5 bandas mas é não-perecível - estabilidade é o nome do jogo.

Friday, May 13, 2005

Cannes de volta aos eixos

Cannes ano passado foi ruim. Cannes ano passado foi farofa. Cannes ano passado foi ruim e farofa principalmente pelo júri ter sido presidido pelo superestimado - sim, SUPERESTIMADO - Tarantino, que afarofou o negócio todo e bagunçou um dos fetivais mais legais de cinema. Mas esse ano tudo há de se ajeitar - o júri será presidido pelo Kusturica. E o diretor Bósnio já chegou falando que farofa não é com ele, proclamando que o prêmio este ano não será político - alusão ao prêmio dado ano passado ao farofeiro do Michael Moore, cujos filmes são engraçadinhos e...mais nada! E eu acredito no Kusturica porque ele é um dos melhores diretores em atividade no mundo.

Amor Platônico, Segunda Derivada

Não acredito no amor, essa "invenção burguesa-capitalista" - tá, isso é brincadeira - mas fato é que caso amasse alguém esse alguém com certeza seria a Scarlet Johansson (a Björk seria a amante). O grande problema é que não sei ao certo se amo a Scarlet ou se amo a Charlotte, personagem dela do Encontros e Desencontros. Acredito mesmo que ando me apaixonando por personagens, embora o fator Scarlet seja decisivo - até a voz dela na Mindy de Bob Esponja me fez ter uma queda pela filha do rei Netuno. Um caso de amor na derivada. Mas como não me apaixonar pela tímida filósofa de Yale que não consegue sentir nada num templo budista e chora por isso?

Imagina se a Charlotte gostar de Pynchon...

Thursday, May 12, 2005

Constatação

Eu não entendo nada de artes plásticas. Nem de poesia. Porque só alguém que não entende nada de artes plásticas pode ter Hyeronymus Bosch como pintor preferido. E só alguém que não tem a menor sensibilidade pra poesia pode venerar o revolucionário irlandês William B. Yeats como Deus da Poesia.

Dylan Thomas

Dylan Thomas era um ótimo poeta e contista, mas acabou ficando mais famoso pela vida pop que levou. A verdade é que cara devia ficar famoso mesmo pela morte - chegou no hotel em NY após beber 18 whiskeys (e dizer "18 doses. Acredito que é um recorde"), passou mal, acordou, bebeu cerveja, fechou os olhos e nunca mais acordou.

Rumo à Velhice

Uma pessoa pode gostar de três coisas, prorizando duas - a terceira é sempre uma paixão secundária. Até meus 18 anos eu gostava de

1. Música (tocava baixo, comprava cds de rock progressivo frenéticamente)
2. Esportes (ver e praticar)
3. Literatura (livros de história na maioria)

Daí mudei meus gostos um pouco entre 18 e 21 e passei a gostar de

1. Música (mais ouvir do que tocar - bandas mais novas, radiohead, jazz)
2. Literatura (menos história, mais ficção)
3. Esportes (praticar só)

E a partir dos 22 mudei novamente pra como me encontro hoje

1. Cinema (ver, estudar, fazer, tudo)
2. Literatura (ficção - romances, contos, Pynchon!)
3. Música (ouvir, o mesmo da segunda fase)

O cinema hoje meio que divide com a literatura a preferência, e interessante que ele nem estava lá antes. Confesso que dos 16 aos 18, quando não morei no Rio, fui ao cinema apenas duas...

(em coro): "DUAS?????"

Sim, apenas duas vezes. Ainda não sei como sobrevivi, mas não quero muito pensar a respeito. Pelo menos tirei o atraso depois com juros. E passei a ler muita ficção e pouca história, embora os livros sobre guerras continuem me apetecendo muito. O mais incrível foi a música, que era uma paixão suprema aos 16 anos, quando até pensei bastante a sério sobre seguir carreira de baixista, e hoje está num terceiro lugar bem abaixo dos outros dois.

Acontece, acontece. Pena que só tenha espaço para três coisas, e eu esteja conseguindo priorizar bem apenas duas. Mas acho que agora é definitivo, e estou bastante satisfeito.

Wednesday, May 11, 2005

A propósito da neve molhada

Uma discussão interessante é sobre os melhores contos do 9 Estórias, do Salinger. Interessante porque cada um acha uma coisa, e dado que os contos são mesmos maravilhosos, isso não é de todo errado - não costumo ser benevolente com gostos, mas neste caso perdôo alguns desvios: entendo como alguém pode achar Para Esmé, Com Amor e Sordidez superestimado, embora não ache, entendo alguém que não acha Um Dia Ideal Para os Peixes-Banana candidato natural a subtituir o Colosso de Rhodes como maravilha do mundo porque o final é estranho, entendo até se alguém achar Lá Embaixo, no Bote o melhor conto do livro - embora ainda não tenha visto isso. Entendo, porque os contos são todos ótimos, cada um à sua maneira. Só não entendo alguém não gostar deles - daí é fogueira mesmo, sem dó nem piedade. A não ser que não se aprecie contos.

Adendo Póstumo

Vi que fizeram um Top 3 Contos de Nove Estórias nos comentários, então adicionarei o meu.
1. Peixes-Banana
2. Daumier-Smith
3. Guerra com os Esquimós

Parem as Máquinas, Impeçam o Trânsito - O rapaz Vai Sair de Casa!!!!

Bienais de Livro são eventos ruins, chatos, bobos, desinteressantes. Vai um monte de gente que nunca lê nada, ou lê pouco, coisas deisnteressantes, não-literatura, e ficam lá, gritando, olhando, comprando o novo Paulo Coelho, aquelas luzes brancas berrando em cima de você - qualquer coisa que tenha luzes brancas não presta - crianças correndo, um inferno, um inferno. Mas ainda bem que sempre existem dissidentes, e neste ano uma das dissidências é uma grata surpresa no CCBB- uma série de palestras agrupadas sob o nome A Melhor Literatura do Mundo - ganha uma vodka quem pensou na eslava.

Houve um tempo em que não havia traduções de Dostoiveski decentes no Brasil. Então, veio a (mão-no-peito) Editora 34 e começou a traduzir decentemente os livros dele, relançando a obra completa aos poucos, com ótimas traduções, na maior parte dos casos do Boris Schnaiderman e do Paulo Bezerra.

E o problema é que uma das palestras é justamente do Paulo Bezerra. No meu mundo ideal o cara tinha que ficar numa bolha de oxigênio, isolado dos perigos mundanos, dos micróbios, no árduo trabalho de tradução (quem mandou eu largar a aula de russo!) mas como isso é impossível rezo para que pelo menos desinfetem todos na entrada da palestra - eu já tô fazendo a minha parte e comecei a tomar vitamina C.

Monday, May 09, 2005

The state that I am in

(Fragmento de Lazy Line Painter Jane, Belle & Sebastian)

Boo to the business world!
You know a girl who's tax free on her back and making
Plenty cash
While you are working for the joy of giving

O Hit do Momento

Nós somos amendobobos
Você é um amendobobo
Todos são amendobobos
A-MENNN-DOOOO-BOOOOOBOOOOOOSSSSS

O mesmo post, um outro ãngulo

Boa frase captada no The Assassination of the Gingerbread Man, blog da Myrela e o namorado dela, meu primo paulistano sem nome. Assim só ajudo a crítica, que tem me chamado de rabujento.

"Tudo na vida é suportável, à exceção de muitos dias de felicidade contínua" - Von Goelle

Baixistas

Baixistas são os caras legais. Sim, você tem que ter personalidade, culhões e tudo mais - todos os garotos que são cool querem tocar guitarra, ficam ouvindo Joe Satriani e fazendo maior barulheira, e tem aqueles que gostam de bateira, fazer algazarra, bater, o baterista é um cara legal não?, tá, ainda tem madames, esse tipo de gente, e a filha toca piano, clássicos, essas coisas, mas baixo?? Ainda me lembro a cara de espanto da minha mãe - baixo filho? começa com guitarra, é melhor, você toca violão também, é bom, é sociável - diabos, violão? Não, não, mil vezes não, seria eu aquele cara que chega na festinha, olha pra menininha e lança um legião urbana, tá, mais cool, eu toco pink floyd - não, mãe!, mas ela não entende, nem ninguém. São renegados, os baixistas. São guitarristas frustrados, baixistas são guitarristas que não deram certo - é o que pensam, o que dizem, o que bradam! Nunca se ouviu falar que, no desfile da vitória, Paris 1945, acabou a guerra, vejam, o regimento de gaita de fole dos escoceses - lá atrás mãe, os guitarristas do segundo regimento do 9º exército de Patton - mas nunca baixistas, talvez na Alemanha, sob bombardeio, num bunker sujo, na retirada - perdi minha mãe, você me ajuda baixista? - só sobraram os baixistas, ninguém gostava, ligava, passavam incólumes pelas linhas russas, tentaram se entregar pros americanos, ninguém quis, Von Brown entra, baixista sai. "ah, mas tem o jazz", sim, tem o jazz, mas mesmo assim são poucos, raros, normalemnte apoio, mas experimente tirar um, a banda acaba - o mesmo pra hoje, todos os baixistas de rock, ninguém liga, ninguém vê, é só um cara, quieto, no canto, "não, só faz firulá" é o comentário no palco, mas esses são os caras legais, que tocam baixo, o prazer solitário, no quarto, como um livro, sim, um livro, o baixo, quatro cordas, escalas, estudos, enquanto tem um guitarrista se divertindo numa festa de modelos da elite e um baterista enchendo a cara num barzinho, lá está o baixista, perdido em pensamentos, se achando superior ao outros, apesar de tudo, porque é, porque é...

Friday, May 06, 2005

A Tênue Linha Entre a Sanidade e a Insanidade

Venho desenvolvendo a idéia há algum tempo, e quanto mais a renego, mais ela cresce. Estava planejando minas férias e pensei no que poderia fazer - Europa está caro, EUA não tô a fim, América do Sul acabei de ir. Daí a idéia apócrifa, maldita, mas maravilhosamente bela - coincidir meus 15 dias livres com o Festival do Rio 2005. Na minha mente fervilham idéias a favor - poderia bater o recorde de 38 filmes do Festival de 2002, quando não fazia nada além de estudar - bem, não fazia nada -, poderia ler livros e mais livros nos intervalos dos filmes, nos deslocamentos, filmes, filmes, FILMES. Tá, escrevendo agora me empolguei novamente. Meu bolso agradece também - ao invés de gastos em dólar e caras passagens aéreas, ingressos. Empolgação, empolgação! Tá, prefiro ir pra Europa, mas tenho que me adaptar ao que posso - e nos mundos possíveis esse parece ser o mais interessante. Poderia ver 50, 60, 70 filmes...

Hmmm. Preciso fazer uma carteirinha de estudante.

A Fase Rabujenta de Daumier-Smith

Boa frase captada no The Assassination of the Gingerbread Man, do meu primo paulistano Conrado e sua namorada. Assim só ajudo a crítica, que tem me chamado de rabujento.

"Tudo na vida é suportável, à exceção de muitos dias de felicidade contínua" - Von Goelle

O Público se Manifesta

Ontem fui rever Bom Dia, Noite no Espaço Unibanco. Muito bom, como já havia pensado da primeira vez - um 4 bastante sólido, e ainda toca duas músicas do Pink Floyd. O cinema estava bem vazio, e atrás de mim sentaram umas pessoas que falaram o filme inteiro - estou menos rabujento e dessa vez aguentei bem o falatório alheio. O problema foi ao final, quando uma moça comentou com a outra "ah, não gostei. Mais ou menos na linha do O que é Isso, Companheiro? e Edukators, só que esses são muito melhores".

Louca, a mulher, mas interessante a comparação. Ela está pegando três filmes que tratam de sequestros políticos e comparando-os, preferindo o alemão ao brasileiro e o brasileiro ao italiano - e por matemática básica, o alemão ao italiano. Típica opinião de quem fala o filme inteiro e deve frequentar o Cine Leblon.

O fato é que o italiano é muito, mas muito, mas muito melhor que o alemão e o brasileiro. Quanto ao O que é Isso, Companheiro?, não tenho muito a comentar. O filme é ruim, tendo sido indicado para o Oscar sabe-se lá porque - talvez o viés esquerdista tenha agradado aos velhinhos comunistas de lá. Um 1, e está de bom tamanho.

Edukators é um filme bem mais ou menos que agrada aos revolucionários enrustidos e afins. Uma história bobinha, uma tendência a exaltação do bandido e condenação do mocinho, que passa a ser simpático apenas quando se vira e começa a agir como os sequestradores - é, a Alemanha não é longe de Estocolmo. Não, não se trata de um Alex de Large, por quem alguns torcem, têm pena, é diferente. O filme? É fraco, se alonga demais, se perde em conflitos secundários chatos, e ainda tem um final bobo, que leva às lagrimas os revolucionários da Vieira Souto de plantão. Um 2.

Bom Dia, Noite é o oposto de tudo isso - um sequestro político, do líder da Democracia Cristão Italiana, em 1978, pela Brigadas Vermelhas, organização socialista-comunista-marxita-leninista que se julga porta voz do proletariado. O filme narra o acontecido através de Chiara, uma mulher (fictícia) pertencente ao grupo que mantêm o sequestrado em uma casa. Enquanto leva uma vida normal no trabalho, ela vive todo o drama do sequestro que parou o país, misturando realidade e fantasia, com pena do preso enquanto se mantêm fiel aos seus ideais. O filme é belíssimo, um 4 robusto, e o tratamento dado à história é muito bom, misturando imagens de época sobre o caso com o dia-a-dia imaginário do cativeiro e todo o conflito silencioso dela. E o final é digno de aplausos.

Não tem como comparar. Cinema politico é isso. E esqueça os filminhos revolucionários dos cineastas da UFF e vá correndo ver este filme.

Thursday, May 05, 2005

Picaretas do bem do mundo, uni-vos!!

O mundo está cheio de picaretas. No cinema, na literatura, na música, é picareta pra todo lado. Mas a picaretagem, que é predominantemente negativa, tem seu lado positivo também. É viável a boa picaretagem, a picaretagem honesta, genuinamente honesta.

O Lars Von Trier, por exemplo. Picareta, muito picareta, um picareta 4,5 pra não dizer que é um picareta 5. Mas é um picareta do bem. Toda a história de Dogma 95 é uma picaretagem sem fim, mas é bom, mostrando como a picaretagem tem seu lado positivo. O ponto alto da picaretagem do cara foi em Cannes, quando, ao lado do igualmente bom picareta Thomas Vintenberg, fizeram piadas sobre Os Idiotas "aqui eu usei rapidamente uma luz artificial", "nessa cena umas das câmeras está sobre um tripé" e riam, riam, enquanto todos olhavam meio espantados, todo aquele povo que tanto venerava o Dogma (tá, isso é genial, o cara é um picareta 5). Mas os filmes são bons, ele é um bom diretor, a picaretagem é pro bem.

Picaretas do bem, há poucos; do mal não faltam. Gus Van Sant e Winterbottom (apesar da discordância de alguns) são picaretas do mal, ruins de dar dó, picaretas zero. E como eles há muitos - Dave Mathews Band e Chick Corea na música, Paulo Coelho e Hesse na literatura (Dan Brown não é picareta; ele tem seu nicho, e fica lá muito bem).

E tem esse blog, que é de uma picaretagem só. Mas como sou eu que faço a classificação, me considero um picareta do bem, um 3,5 talvez. Mas aindo chego lá.

Wednesday, May 04, 2005

Tratado sobre sebos

Do conto Discurso Sobre o Fulgor da Língua, de José Eduardo Agualusa

Belo trecho sobre sebos - ou alfarrábios, com dizem os portugueses, o que é muito mais legal.

Se eu fosse alfarrabista teria imenso trabalho para organizar a minha loja de forma a que parecesse naturalmente desorganizada. Um alfarrabista organizado, metódico, sugere-me algo vagamente monstruoso, capaz de ofender a ordem natural das coisas, um pouco como um lagarto de duas cabeças, um advogado ingênuo, um general pacifista. A maioria das pessoas que frequentam alfarrabistas gostam de pensar que caminham entre o caos, e que em meio àquele grave e silencioso tumulto podem, de repente, tropeçar na primeira edição d´ Os Lusíadas ao preço de um romance de Paulo Coelho. Houve um tempo, romântico, em que essas coisas podiam realmente acontecer, um tempo em que os alfarrabistas ainda respeitavam a desordem.

Tuesday, May 03, 2005

Entrevista com Daumier-Smith

Publicada no semanário "Deutschland Heute", em 26/04/1949
Tradução Livre
Trata-se da ùnica entrevista concedida pelo mestre no pós-guerra

DH: Daumier, sua pintura no pós-guerra tem sido aclamada como o retrato da Nova Europa, onde predomina o ceticismo e desilusão. Essa período tem sido chamado de Fase Azul. Você concorda com a análise?
DM: Antes de mais nada, gostaria de esclarecer que o termos Fase Azul não partiu de mim, e embora não o desaprove completamente, tenho receio de ligações com o movimento Cavaleiro Azul, do expressionismo bávaro do começo do século, o que não é de todo verdade. Minha pintura tem sido cética, sim, marcada por toda a carga dramática pela qual passou e passa a Alemanha, mas que pode ser estendida para toda a Europa e o mundo. Mas o que você queria? Passarinhos sorridentes? Fumaça Sobre Haffensburg é um belo exemplo: toda aquela cortina de fumaça sobre Haffensburg pode ser entendida como uma fumaça sobre a Alemanha, a Europa, e o mundo, fumaça que impede a visão, cega os homens. Nesse ponto concordo plenamente com a análise.

DH: Sua obra tem sido chamado agora de Existencialismo Plástico, por causa de toda a temática. A aquisição de uma pintura sua por Albert Camus mês passado reforçaria esta tese. O que você tem a dizer?
DM: Vocês estão querendo rotular demais as coisas, tentar fazer com que um movimento nas artes plásticas e na filosofia seja parte da mesma coisa, quando são coisas completamente diferentes. Se Camus comprou meu quadro é porque gosta dele, e não porque enxerga nele traços existencialistas. Nunca li nada de Camus, o respeito como grande escritor, mas não tem nada a ver. É tudo parte do mundo em que vivemos, do estados das coisas na Europa. Quer dizer que so você comprasse um quadro meu diriam que estou na minha fase jornalística agora?

DH: Não, e vocÇe sabe que não tem nada a ver o que disse. Mas quer dizer então que sua obra é única, inédita, sem influências?
DM: É isso mesmo. Já fui muito influenciado, hoje influencio. Tudo que tenho na mente quando pinto são lembranças do passado e do presente, de quem esteve na guerra, viu os horrores do front russo, de quem viu sua cidade em ruínas, seus familiares mortos. Se é assim sou influenciado pelo terror e pelo tédio, tédio da reconstrução, das falsas promessas de melhora. Mas não penso em nenhum movimento artístico quando pinto, só pinto. Vocês é que ficam enxergando coisas...

DH: Sua experiência na guerra rendeu inclusive um ótimo livro de memórias, Lembranças de Um Artista Quando Não Tão jovem Soldado, muito aclamado pela crítica. Você pensa em voltar a escrever?
DM: Não, no momento não. Escrever é chato. Só escrevi meu diário na guerra para fugir da chatice ainda maior que ela é. Servia como uma distração, um estudo sobre a Rússia, seus habitantes, paisagens, e também era parte de um estudo de pintura. Mas passou, hoje meu tédio diário é menos chato do que escrever.

DH: E por quê não pintou nada ao invés de escrever?
DM: Experimente pintar sob constante bombardeio, deslocamentos, com tanques zunindo no seu ouvido, remexendo a terra.

DH: Voltando aos dias atuais. O que você acha dos jovens pintores de Bonn que estão sendo chamados de Geração Fase Azul?
DM: Se isso é pra achar que é influência minha, discordo. Acho que eles podem ter semelhanças na temática, mas não na estética. Prefiro a arte revolucionária soviética se for assim.

DH: Então quais seriam seus herdeiros? Você mesmo disse que hoje influencia...
DM: Acho que o pessoal da Escócia anda fazendo um trabalho interessante. Dei uma palestra em Edinburg uns meses atrás e fui muito bem recepcionado, lá tive a oportunidade de ver o que se passa no campo artístico escocês. Posso dizer que gostei muito do que vi. Uma turma jovem, desiludida, triste. Se você quer temática, lá está. Se quer estética, não digo que esteja no mesmo nível, mas evoluindo neste sentido, com certeza.

DH: O que você acha da Nova República Alemã, que vem sendo debatida atualmente?
DM: Eu acho uma palhaçada dos americanos e dos russos. Tenho saudades do Kaiser. E depois você quer otimismo...

Pequenos Prazeres Decorrentes de Pequenos Desprazeres da Vida Moderna

Não me lembro de ter morado em um prédio sem grades, embora as grades do prédio onde morava só tenham sido colocadas quando eu tinha 8 anos. Mas agora eu me mudei para um prédio sem grades. E é lindo. Todo dia quando entro ou saio penso "que bom, não tem grades". Apenas um porta para ser vencida. Um grande prazer momentâneo sem prazo de validade.

Monday, May 02, 2005

A Bela da Tarde

(ou como estou perdendo a paciência com as pessoas)

Dormi cedo na sexta para me preparar para o sábado, o grande sábado que viria. Chovia, tempo escuro, lindo, lindo. Não posso dizer que fazia frio, mas a simples ausência de calor no Rio já basta para a felicidade. Andar e não suar, eis o sentido da existência.

Dormi cedo na sexta, acordei cedo no sábado. Inteiro, sem ressaca, bem dormido. Tomei a café e parti para o que seria o sábado perfeito, uma celebração ao MWA.

A jornada começou com um clássico, Leopardo, do Visconti. 3 horas de filme, mas bem assim assim. Um 2, sou mais o livro. Mesmo assim um bom começo. Após um lauto almoço, parti para o que seria o grande momento do dia - Livraria da Travessa + Estação Ipanema. Na primeira iria gastar todo o dinheiro que ganhei de aniversário de vovó, o que não era pouco, e no segundo iria na pré-estréia de A Queda, filme sobre como o Hitler fugiu para a América do Sul depois da guerra...ops, dos últimos dias do Hitler no bunker em Berlim.

Após horas de procura, fuçassão (sic) e afins finalmente comprei meus 6 livros e fui para o café, onde poderia desfrutar de ótimos momentos lendo uma das aquisições enquanto apreciava um cappucino.

Ledo engano! Oh criança de peito, oh menino ingênuo, como já se dizia no subsolo!

Após me sentar no balcão e iniciar a leitura, meus ouvidos começaram a ser impregandos pelo papo do casal a minha esquerda e de uma galera à direita, um papo ridículo, patético, imbecil. O cara da esquerda, visivelmente tentando (e conseguindo!) impressionar a mulher que o acompanhava, contava sobre suas visitas aos locais descritos no livrinho do Dan Brown, falava de futebol e de como ele era bom mas não quis seguir carreira, e por aí vai. À minha esquerda, dois homens e uma mulher comentavam pormenores das novelas da globo, de como elas eram melhores antigamente, falavam de um novo jogo de cricket no computador, e um dos caras comentava tudo com aquele jeeeeeiitoooo assiiiiiiimmmm de falar, todo afetado.

Consegui ler umas 15 páginas. E pior que eu tava lendo Como me Tornei um Estúpido. Ali, não demoraria muito pra me tornar um.

Já que ia ao Estação Ipanema mesmo resolvi fugir pra lá, e foi onde encontrei a paz no mais absoluto silêncio. Pude ler tranquilamente por uns 80 minutos.

Depois, o filme. Estava lotado, e fui logo pra fila, que se formou cedo, sentei na escada e fiquei lendo, o que me fez desejar que o Festival chegasse logo (procurei o barbudinho por uns instantes mas não o achei).

Com a paz reestabelecida, entrei pro filme. Pessoas chatas isoladas na Travessa, pensei. Aqui não tem disso.

Mais uma vez, ledo engano! Oh criança de peito, oh menino ingênuo!

2 mulheres atrá de mim riram o filme inteiro, como se os fosse um filmaço de comédia (momento TRI total). Por perto, um velho fazia questão de mostrar o tempo inteiro que sabia de tudo apontando todos que apareciam no vídeo "esse é o keitel, esse o Bormann, esse não sei quem...". Diabos, eu querendo ver o filme em paz mas tinha que ouvir risos e comentários o tempo inteiro.

Ambos os eventos não chegaram a estragar o maravilhoso sábado - o filme foi ótimoma, o livro é interessante - mas mostrou que tenho cada vez menos paciência para as pessoas. E que a grande vencedora do dia, apelidada de Bela da Tarde, foi a paz, o silêncio.

Benevolência é o meu sobrenome

Não sei se é excesso de benevolência, acho até que não, mas fato é que se passou uma coisa rara: vi dois filmes 4 no cinema em sequência - Life Aquatic, na quinta, e A Queda, no sábado. O primeiro inclusive surge como a primeira ameaça ao Fantástica Fábrica de Chocolate na categoria melhor do ano, estando com o posto até agora.