Tuesday, May 03, 2005

Entrevista com Daumier-Smith

Publicada no semanário "Deutschland Heute", em 26/04/1949
Tradução Livre
Trata-se da ùnica entrevista concedida pelo mestre no pós-guerra

DH: Daumier, sua pintura no pós-guerra tem sido aclamada como o retrato da Nova Europa, onde predomina o ceticismo e desilusão. Essa período tem sido chamado de Fase Azul. Você concorda com a análise?
DM: Antes de mais nada, gostaria de esclarecer que o termos Fase Azul não partiu de mim, e embora não o desaprove completamente, tenho receio de ligações com o movimento Cavaleiro Azul, do expressionismo bávaro do começo do século, o que não é de todo verdade. Minha pintura tem sido cética, sim, marcada por toda a carga dramática pela qual passou e passa a Alemanha, mas que pode ser estendida para toda a Europa e o mundo. Mas o que você queria? Passarinhos sorridentes? Fumaça Sobre Haffensburg é um belo exemplo: toda aquela cortina de fumaça sobre Haffensburg pode ser entendida como uma fumaça sobre a Alemanha, a Europa, e o mundo, fumaça que impede a visão, cega os homens. Nesse ponto concordo plenamente com a análise.

DH: Sua obra tem sido chamado agora de Existencialismo Plástico, por causa de toda a temática. A aquisição de uma pintura sua por Albert Camus mês passado reforçaria esta tese. O que você tem a dizer?
DM: Vocês estão querendo rotular demais as coisas, tentar fazer com que um movimento nas artes plásticas e na filosofia seja parte da mesma coisa, quando são coisas completamente diferentes. Se Camus comprou meu quadro é porque gosta dele, e não porque enxerga nele traços existencialistas. Nunca li nada de Camus, o respeito como grande escritor, mas não tem nada a ver. É tudo parte do mundo em que vivemos, do estados das coisas na Europa. Quer dizer que so você comprasse um quadro meu diriam que estou na minha fase jornalística agora?

DH: Não, e vocÇe sabe que não tem nada a ver o que disse. Mas quer dizer então que sua obra é única, inédita, sem influências?
DM: É isso mesmo. Já fui muito influenciado, hoje influencio. Tudo que tenho na mente quando pinto são lembranças do passado e do presente, de quem esteve na guerra, viu os horrores do front russo, de quem viu sua cidade em ruínas, seus familiares mortos. Se é assim sou influenciado pelo terror e pelo tédio, tédio da reconstrução, das falsas promessas de melhora. Mas não penso em nenhum movimento artístico quando pinto, só pinto. Vocês é que ficam enxergando coisas...

DH: Sua experiência na guerra rendeu inclusive um ótimo livro de memórias, Lembranças de Um Artista Quando Não Tão jovem Soldado, muito aclamado pela crítica. Você pensa em voltar a escrever?
DM: Não, no momento não. Escrever é chato. Só escrevi meu diário na guerra para fugir da chatice ainda maior que ela é. Servia como uma distração, um estudo sobre a Rússia, seus habitantes, paisagens, e também era parte de um estudo de pintura. Mas passou, hoje meu tédio diário é menos chato do que escrever.

DH: E por quê não pintou nada ao invés de escrever?
DM: Experimente pintar sob constante bombardeio, deslocamentos, com tanques zunindo no seu ouvido, remexendo a terra.

DH: Voltando aos dias atuais. O que você acha dos jovens pintores de Bonn que estão sendo chamados de Geração Fase Azul?
DM: Se isso é pra achar que é influência minha, discordo. Acho que eles podem ter semelhanças na temática, mas não na estética. Prefiro a arte revolucionária soviética se for assim.

DH: Então quais seriam seus herdeiros? Você mesmo disse que hoje influencia...
DM: Acho que o pessoal da Escócia anda fazendo um trabalho interessante. Dei uma palestra em Edinburg uns meses atrás e fui muito bem recepcionado, lá tive a oportunidade de ver o que se passa no campo artístico escocês. Posso dizer que gostei muito do que vi. Uma turma jovem, desiludida, triste. Se você quer temática, lá está. Se quer estética, não digo que esteja no mesmo nível, mas evoluindo neste sentido, com certeza.

DH: O que você acha da Nova República Alemã, que vem sendo debatida atualmente?
DM: Eu acho uma palhaçada dos americanos e dos russos. Tenho saudades do Kaiser. E depois você quer otimismo...

2 Comments:

Blogger Unknown said...

"Quer dizer que so você comprasse um quadro meu diriam que estou na minha fase jornalística agora?"

Genial. Melhor ainda a resposta do repórter. Compremos alguns quadros de Daumier-Smith, para fazê-lo entrar numa retroativa fase econômica.

10:54 AM  
Blogger Werner Daumier-Smith said...

Sim, façamo-lo entrar numa retroativa fase econômica. O problema é o preço de suas obras~da Fase Azul - alguém dispõe de US$ 2 milhões pelo menos?

E a homenagem pode ser póstumamente declarada, ainda que não intencionada a princípio? Se sim, de acordo - um ode ao cara.

10:33 AM  

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