Antropologia Subterrânea
Não tenho carro, minha carteira de motorista expirou há 1 ano e meio, mas creio que em algum momento terei que me render aos veículos motorizados. Mesmo quando isso acontecer, não abrirei mão do meu estudo antropológico diário. Explico.
O estudo antropológico diário se dá em dois momentos, de manhã e à noite, ambos no metrô. Trata-se da observação de pessoas nos vagões do nosso civilizado transporte de massa subterrâneo, o que tem se mostrado cada vez mais interessante.
A observação matutina se dá durante a leitura do jornal. Noto, basicamente, três tipos de pessoas: as que lêem jornal, as que lêem livros, e as que não lêem nada, estando neste último grupo as que ouvem música. Pode-se abrir mais a classificação. Dentre as que lêem jornal, há as que lêem bons jornais - Valor, Globo, JB, Folha, Estado - e as que lêem Extra, O Dia e afins. Com os leitores de livros, idem. Hoje mesmo havia um jovem de terno com um Sydney Sheldon (francamente!), enquanto um já mais velho, a cara do Malan, lia James Joyce. Seria o próprio Malan? Já na categoria outros há os que ouvem música, os que olham pra frente com olhar bovino e os que pensam, comem, falam ao telefone e por aí vai.
Já a observação noturna se dá durante a leitura de livros. O vagão está mais cheio, as pessoas cansadas, muitos bocejos, a teoria do bocejo coletivo sendo diariamente provada. Neste período não encontramos mais os leitores de jornal. Interessante notar que, mesmo assim, não há um aumento significativo na categoria leitores de livos, como é o meu caso. Estes continuam sendo, basicamente, os mesmos da manhã. Já a categoria outros fica sobrecarregada, e a sub-categoria olhar bovino recebe o maior reforço. Todos parecem se dirigir para casa como zoombis.
Nas viagens diárias criei também a Categoria Amigo de Metrô (AM). Um AM é uma pessoa que você sempre encontra, mas nunca fala. Apesar disso, há uma certa cumplicidade no olhar, um quê de "você por aqui?" ou "bom dia, não te esperava tão cedo" ou até mesmo "como você está bonita hoje". Você continua encontrando esta pessoa diariamente, mas não se falam. Com o tempo se descobre manias, horários, tipos de leitura, roupas, sim, roupas, e aqui reside o perigo. Uma vez usei a mesma camisa na segunda e na quarta e tenho certeza que uma AM percebeu e me olhou com um olhar que era um mix de nojo e desaprovação. Nunca mais repeti o feito.
O mais interessante é encontrar um AM nas ruas, no final de semana, em trajes civis, os olhares se cruzam, mas é diferente, a cumplicidade começa e termina no trasporte coleitvo.
Divido ainda as pessoas em duas outras categorias, independentes das acima mencionadas, os apressadinhos e os não-apressadinhos. Apressadinhos são os que antes do ônibus do metrô virar na Figueiredo Magalhães já se levantam e vão pra porta de saída, são os que correm nas escadas rolantes, atropelam pessoas na roletas, correm para entrar com a porta já fechando correndo o risco de ficarem presas. Não-apressadinhos, logicamente, são todos os outros, que não fazem isso. Sinto dizer que tenho alguns AM apressadinhos, mas a maioria se comporta bem.
Há paixões platônicas no metrô também. Uma vez topei com uma menina muito bonita, bem arrumada, indo para o trabalho. Neste dia estava atrasado, o que é uma pena, pois achei que nunca mais a encontraria. Mas algum tempo depois topei com a tal menina na volta. Desta vez tinha saído mais cedo do trabalho. Infelizmente não a encontrei mais, mas os dois encontros foram suficientes para acender a chama da paixão em mim. Todos os dias agora procuro por ela, algum dia a reencontrarei. E neste dia, não direi nada. Falar estraga. O prazer é apenas olhar.
E como eu me classifcaria nisso? Sou um leitor de jornal bom de manhã, leitor de bons livros de tarde, e um não-apressadinho por natureza.
Com o tempo hei de criar mais categorias e sub-categorias, e refinar ainda mais os estudos. Talvez lança um tomo de observações. E por isso digo que os que andam de carro não têm tais prazeres diários. Estão preocupados com o trânsito, com o rádio, com os ladrões, com a chuva, enquanto perdem um mundo a sua volta.
O estudo antropológico diário se dá em dois momentos, de manhã e à noite, ambos no metrô. Trata-se da observação de pessoas nos vagões do nosso civilizado transporte de massa subterrâneo, o que tem se mostrado cada vez mais interessante.
A observação matutina se dá durante a leitura do jornal. Noto, basicamente, três tipos de pessoas: as que lêem jornal, as que lêem livros, e as que não lêem nada, estando neste último grupo as que ouvem música. Pode-se abrir mais a classificação. Dentre as que lêem jornal, há as que lêem bons jornais - Valor, Globo, JB, Folha, Estado - e as que lêem Extra, O Dia e afins. Com os leitores de livros, idem. Hoje mesmo havia um jovem de terno com um Sydney Sheldon (francamente!), enquanto um já mais velho, a cara do Malan, lia James Joyce. Seria o próprio Malan? Já na categoria outros há os que ouvem música, os que olham pra frente com olhar bovino e os que pensam, comem, falam ao telefone e por aí vai.
Já a observação noturna se dá durante a leitura de livros. O vagão está mais cheio, as pessoas cansadas, muitos bocejos, a teoria do bocejo coletivo sendo diariamente provada. Neste período não encontramos mais os leitores de jornal. Interessante notar que, mesmo assim, não há um aumento significativo na categoria leitores de livos, como é o meu caso. Estes continuam sendo, basicamente, os mesmos da manhã. Já a categoria outros fica sobrecarregada, e a sub-categoria olhar bovino recebe o maior reforço. Todos parecem se dirigir para casa como zoombis.
Nas viagens diárias criei também a Categoria Amigo de Metrô (AM). Um AM é uma pessoa que você sempre encontra, mas nunca fala. Apesar disso, há uma certa cumplicidade no olhar, um quê de "você por aqui?" ou "bom dia, não te esperava tão cedo" ou até mesmo "como você está bonita hoje". Você continua encontrando esta pessoa diariamente, mas não se falam. Com o tempo se descobre manias, horários, tipos de leitura, roupas, sim, roupas, e aqui reside o perigo. Uma vez usei a mesma camisa na segunda e na quarta e tenho certeza que uma AM percebeu e me olhou com um olhar que era um mix de nojo e desaprovação. Nunca mais repeti o feito.
O mais interessante é encontrar um AM nas ruas, no final de semana, em trajes civis, os olhares se cruzam, mas é diferente, a cumplicidade começa e termina no trasporte coleitvo.
Divido ainda as pessoas em duas outras categorias, independentes das acima mencionadas, os apressadinhos e os não-apressadinhos. Apressadinhos são os que antes do ônibus do metrô virar na Figueiredo Magalhães já se levantam e vão pra porta de saída, são os que correm nas escadas rolantes, atropelam pessoas na roletas, correm para entrar com a porta já fechando correndo o risco de ficarem presas. Não-apressadinhos, logicamente, são todos os outros, que não fazem isso. Sinto dizer que tenho alguns AM apressadinhos, mas a maioria se comporta bem.
Há paixões platônicas no metrô também. Uma vez topei com uma menina muito bonita, bem arrumada, indo para o trabalho. Neste dia estava atrasado, o que é uma pena, pois achei que nunca mais a encontraria. Mas algum tempo depois topei com a tal menina na volta. Desta vez tinha saído mais cedo do trabalho. Infelizmente não a encontrei mais, mas os dois encontros foram suficientes para acender a chama da paixão em mim. Todos os dias agora procuro por ela, algum dia a reencontrarei. E neste dia, não direi nada. Falar estraga. O prazer é apenas olhar.
E como eu me classifcaria nisso? Sou um leitor de jornal bom de manhã, leitor de bons livros de tarde, e um não-apressadinho por natureza.
Com o tempo hei de criar mais categorias e sub-categorias, e refinar ainda mais os estudos. Talvez lança um tomo de observações. E por isso digo que os que andam de carro não têm tais prazeres diários. Estão preocupados com o trânsito, com o rádio, com os ladrões, com a chuva, enquanto perdem um mundo a sua volta.
1 Comments:
Muito, muito bom. E a Raquel disse tudo sobre o metrô de Paris (só acho que o verbo certo é "bousculer").
Confesso que sou um apressadinho por natureza. Não somos todos más pessoas, garanto. Mas odeio ficar filas, e detesto o hábito que os não-apressadinhos têm por acá de ocupar os dois lugares da escada rolante. Lugar de gente parada é à direita, poxa. Inclusive, e curiosamente, em Londres.
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