Tuesday, February 01, 2005

A Comentadora Se Manifesta

Texto da Raquel, publica aqui na íntegra. Um comentário: os motoboys não estão sendo solidários com o colega morto, estão na verdade com o mesmo pensamento que permeia os soldados na guerra, como no Nascido Para Matar, quando todos estão em volta ao corpo de um colega do pelotão dizendo palavras bonitas até que alguém comenta "antes ele do que eu". É mais ou menos por aí.

Não vai ser bem um comentário dessa vez. Digamos que vai ser uma intervenção no Fase, como esses artistas metidos que fazem intervenções em espaços públicos porque acham que todo mundo tem que ver o que eles fazem. Enfim...No caso, intervenho num lugar, de certa forma, público, mas para poucos, e todos conhecidos. Deixo então registrada minha necessidade de me comunicar ativamente (A comentadora passiva saiu de cena por alguns minutos...). É sempre bom ter alguém do outro lado e, “dado que” leitores internacionais foram devidamente banidos do meu rol de leitores* (merci, Consiglieri!), cá estou eu na minha dita intervenção inevitável.

A história: estava eu num transito horrível, sentada num ônibus idem (a pior linha do Rio), lendo Calvino que falava sobre leveza – tentando (em vão) encontrar um pouco de paz no nosso cotidiano caótico. O trânsito horrível só podia ter dois motivos no sentido Barra-Zona Sul: tiroteio ou batida (ou violência ou acidente, pra dar um pouco da legerete que o Calvino disse que faz bem pro texto). A dica do tiroteio foi dada pelo trocador, que foi quem começou a especular sobre a causa daquilo tudo, opção logo descartada depois que vimos passar mais carros de bombeiros do que de polícia. Alguns kms e vários minutos depois, estava lá, um corpo estendido no chão, coberto com aquele plástico preto, no lado direito da pista do Elevado do Joá. Pelo visto, era um motoboy. Por quê? Eram muitos os motoboys solidários perto do corpo, e muitos deles um tanto tensos, falando no celular. Além disso, um acidente do tipo é mais provável de acontecer “em se tratando” de um motoboy. Especulo...Especulo também sobre a suposta solidariedade entre os motoboys e a expressão animada dos muitos bombeiros que estavam por lá. Especulação um pouco mechant, confesso: os motoboys seriam solidários porque temem que aconteça o mesmo com eles e a solidariedade não seria mais do que um medo disfarçado, a constatação de que aquilo pode acontecer com eles também e que então é melhor ter cuidado. Sobre os bombeiros, bem, deve ter sido um dia agitado, descer pela corda até o mar, procurar um corpo, traze-lo de volta subindo pela corda...Bem, imagino que tenham escolhido a profissão para passar por emoções desse tipo, não?, e elas não acontecem todo dia...Enfim, chega de maldade, de volta ao acidentado: morreu de forma insólita num lugar idem. Pra mim, aquela é uma das passagens mais bonitas do Rio; sempre viro o pescoço de lado pra ver o mar azul que se estende sobre nossos olhos num dia bonito, pra ver o horizonte lá longe e ter uma sensação boa de vida, enxergar um futuro distante, uma “promesse de bonheur”. Estranhamente, hoje fazia um frio danado, um tempo feio, o mar cinza que só se via a metade e uma bruma branca encobrindo tudo. Um dia soturno e sombrio, um bom dia pra me encontrar com a morte e pensar sobre a vida e o que fazer dela até o dia em que a bruma branca chegar...

Enfim, a conclusao desse pensamentos divagantes virá num próximo post que provavelmente nunca escreverei.

E então até.


* Rol de leitores? Ui!

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