Thursday, June 23, 2005

Being Rubem Fonseca

Já é praxe, na ponte-aérea, o avião atrasar. Principalmente quando chove em São Paulo - ou seja, sempre. Principalmente no último vôo da noite. E as pessoas se irritam. E reclamam. E ficam olhando pra cima, com cara de bunda. Ou jogando um simulador de Atari nos seus laptops. Uma vez li um post muito bom sobre o desprezo com as pessoas que não liam. O cara contou como saiu de casa e havia uns operários sentados na calçada olhando por vazio, e que ao voltar, uns 40 minutos depois, estavam todos sentados na calçada olhando para o vazio. E ninguém lia. Operários olhando para o vazio, passageiros irritados com o atraso olhando para o vazio. Desprezo, desprezo.

Dessa vez, porém, foi demais. Havia comprado um Rubem Fonseca para ler no avião, e comecei a ler na sala de espera. Atrasou? Ah, tudo bem, tenho meu livro. Afinal, ia chegar no Rio e acabar fazendo a mesma coisa mesmo - aqui, lá, tanto faz. Mas começou a demorar demais. E eu lendo Rubem Fonseca. Não desgrudava o olho do livro. Já havia lido a última coletânea dele, com 64 contos, muitos que estavam nesse livro, mas não importa, é bom pra cacete, e relia, e lia mais e mais.

Não recomendo a ninguém 2 horas ininterruptas de Rubem Fonseca num aeroporto. Fui sendo tomado por toda aquela atmosfera suja, bizarra, violenta, dos contos do cara. Parece que embarquei na onda mesmo, me tornando um personagem. Enterei no avião com dor de cabeça. Devo ter lançado um monte de palavrões para a aeromoça. Assustei o coitado do executivo estressado do meu lado ao comentar com ele como ficaria a aeromoça com um buraco de panetone na barriga, ou se ela grudaria na fuselagem do avião - pou, pou, pou. Pedi que me chamasse de Mandrake.

Talvez fosse melhor não ter lido nada, ou uma daquelas insossas revistas de negócios...não, pensando bem, não. Prefiro ser Rubem Fonseca do que os bovinos da sala de espera. Mas da próxima vez levarei um Calvino.

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